Você sabia que o funcionário que passou meses sem receber salário, sofreu situações constrangedoras de assédio moral ou trabalhou para uma empresa que fazia o recolhimento irregular do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) pode recorrer à Justiça do Trabalho para “demitir” o empregador?

Essa modalidade de rescisão de contrato de trabalho, também conhecida como demissão indireta, ocorre por iniciativa do empregado quando o empregador desrespeita e comete falta grave contra o empregado, por não cumprir a lei ou as condições contratuais acordadas.

O nome, rescisão indireta, é atribuido ao fato de o empregador agir de tal modo que torna impossível ou intolerável a continuação da prestação de serviços por parte do funcionário, mesmo sem a sua demissão.

Quando a rescisão indireta é reconhecida pela Justiça, o empregador tem de pagar ao ex-funcionário todas as verbas rescisórias, como se o funcionário tivesse sido demitido sem justa causa. Isso inclui o saldo de salário (correspondente aos dias trabalhados), o aviso-prévio (trabalhado ou indenizado e proporcional ao tempo de serviço), férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3, 13º salário, liberação dos valores depositados no FGTS, acrescidos de multa de 40% e entrega das guias para solicitação do seguro-desemprego.

De acordo o Tribunal Superior do Trabalho, apesar de a iniciativa formal para a rescisão ser também do empregado, a motivação é diferente da do pedido de demissão, que ocorre quando o trabalhador pede para sair da empresa por interesses pessoais e, por esse motivo, perde o direito à indenização e liberação de FGTS.

Para conseguir a rescisão indireta, é necessário que haja alguma das situações listadas pelo artigo 483 da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). Veja quais são:

Se forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato

“A expressão serviços superiores às suas forças deve ser interpretada em sentido amplo, não apenas, às forças físicas do empregado, mas também à sua habilitação profissional ou técnica”, explica o advogado trabalhista Maurício Borges, do escritório Advocacia Trabalhista Borges. “Já os serviços exigidos, alheios ao contrato de trabalho, são aqueles que não condizem com os termos estipulados entre as partes no contrato de trabalho”, completa.

Como exemplificam as advogadas trabalhistas Célia Mara Peres e Luiza Cruz Greiner, ambas sócias do escritório Lilla, Huck, Otranto e Camargo Advogados, pode acontecer de o funcionário se ver forçado a trabalhar sem a ajuda de equipamentos necessários para desenvolver a sua função, ou ser obrigado a realizar tarefas que não são compatíveis com a sua função.

Se o funcionário for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo

“O empregado não deve ser tratado com rigor, muito menos excessivo, porque a relação de emprego deve ser pautada com educação e cortesia por todos os sujeitos envolvidos nela”, diz Borges. “O empregador tem o poder de aplicar punições pedagógicas, por meio de advertências e suspensões, mas isso não significa que o empregador tem carta branca para agir de qualquer maneira, como com brutalidade e descortesia, que caracterizam excessos do poder de comando”, complementa.

A intolerância ou a implicância sem motivo ou a perseguição a determinado empregado de enquadram nesse tipo de situação.

Se correr perigo manifesto de mal considerável

A não-adoção pelo empregador de medidas habitualmente utilizadas de normas de higiene e segurança do trabalho podem implicar o reconhecimento da rescisão indireta.

“A infração somente está configurada se o empregador submeter o funcionário a risco que não tenha previsão no contrato ou que poderia ter sido evitado com o uso de equipamento de proteção individual”, esclarece Borges.

Obrigar um funcionário a usar um veículo em condições precárias para a realização de suas funções de motorista ou a trabalhar em grandes alturas sem equipamentos de segurança e proteção se encaixam nesse tópico, por exemplo.

Não cumprir o empregador as obrigações do contrato

Essas obrigações contratuais englobam, além do convencionado pelo empregador e pelo funcionário no contrato individual de trabalho, as cláusulas contratuais previstas na lei e em normas coletivas, como sentenças normativas, convenções e acordos coletivos.

“As hipóteses de descumprimento das obrigações contratuais poderão ocorrer no que tange a função, ao salário, ao horário e ao local de trabalho”, explica Borges.

Praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama

“Nesse caso não há somente uma justa causa, mas duas. A honra não se confunde com a boa fama e basta lesão a uma ou a outra para caracterização da justa causa”, observa Borges.

“A honra se refere a ofensas de cunho moral, e a boa fama, se refere à imagem do funcionário e da sua família. Esses conceitos englobam os crimes de injúria, calúnia ou difamação, que poderão ser cometidos diretamente pelo empregador, ou por chefias empresariais”, acrescenta.

O funcionário que sofre calúnia, difamação ou injúria dentro ou fora da empresa por parte do empregador pode ter conhecida a rescisão indireta.

Se o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem

As agressões previstas nesta alínea determina que as agressões são de natureza física, o que não inclui lesões corporais. “Não é necessária a ocorrência de um ferimento em si, apenas a ofensa que traduz a agressão, como um pontapé ou um tapa”, explica Borges. Mas atenção, a justa causa é descartada nos casos em que o empregador estiver agindo em legítima defesa própria ou de terceiros.

Se o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários

Nesse caso, é necessário que a média salarial mensal do funcionário seja afetada de forma negativa e substancial para que seja reconhecida a rescisão indireta. “Aquelas pequenas variações que ocorrem entre as semanas de trabalho não configuram, em regra, este tipo jurídico”, esclarece Borges.

Nos casos de o empregador não cumprir as obrigações do contrato e reduzir o trabalho do empregado, provocando uma queda do seu salário, o empregado poderá pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. Nessas hipóteses, a permanência no serviço não é considerada como perdão por parte do empregado.

Devo deixar o emprego?

O funcionário pode deixar o emprego se estiver em qualquer uma das situações descritas acima, mas deve permanecer no trabalho, especialmente, nos casos de não cumprimento das obrigações do contrato pelo empregador e de redução do trabalho do empregado, de maneira que esta afete sensivelmente o seu salário.

Somente após a decisão do Tribunal Superior do Trabalho é recomendado que o funcionário deixe o serviço. Isso porque o trabalhador corre um risco muito grande de o juiz não entender que o descumprimento do contrato de trabalho por parte do empregador realmente configura motivo de rescisão indireta.

Além disso, as provas apresentadas para embasar a rescisão por descumprimento de contrato ou redução de salário costumam ser menos contundentes do que as provas apresentadas nos outros casos de “demissão” da empresa. Se o funcionário deixa o trabalho e não apresenta provas desse descumprimento, ele pode perder a ação.

Já se o funcionário optar por permanecer na empresa após a decisão do TST, e for dispensado pelo empregador, a dispensa indireta, solicitada pelo funcionário, será convertida em uma dispensa por ato do empregador, sem justa causa.

Há casos de funcionários que pedem demissão ou mesmo abandonam o trabalho porque não toleram mais o comportamento abusivo do empregador e depois ajuizam ação pedindo reconhecimento da rescisão indireta. Atenção! Segundo Borges, quando os funcionários pedem demissão ou abandonam o emprego eles não podem, após terem “declarado” a rescisão contratual, solicitar a conversão da dispensa em rescisão indireta. Por isso é importante que o funcionário avise ao empregador por que está deixando o serviço para a empresa não considerar a sua ausência como abandono.

Minha situação se encaixa em um dos itens descritos no artigo 483 da CLT. O que eu faço?

Caso o empregado esteja vivenciando uma das situações previstas no art. 483 da CLT, Peres e Greiner, recomenda-se, inicialmente, um solução amigável com o empregador, em especial com o departamento de Recursos Humanos, expondo os fatos na tentativa de solucionar o conflito sem envolver o judiciário.

“Caso não seja possível a solução amigável, recomenda-se que o empregado procure um advogado e informe os fatos e possíveis provas do ocorrido, para que se analise a viabilidade de notificar o empregador extrajudicialmente ou, ainda, ingressar com uma reclamação trabalhista”.

“Nesse caso, é necessário ajuizar uma ação e submeter-se a um processo com todas as suas etapas e recursos para ver confirmada, ou não, pelo judiciário, a falta cometida pelo empregador, e mais do que isso, a gravidade suficiente para declarar insustentável a relação de emprego, e assim determinar a rescisão indireta do contrato”, explica Borges.

Indenização por danos morais

“A empresa deverá pagar indenização por danos morais ao trabalhador, nos casos em que este pleitear, além da rescisão indireta, eventual dano moral praticado pelo empregador, nas hipóteses nas quais o motivo da rescisão indireta tenha causado prejuízo moral ao empregado”, explica Borges.

Conforme explicam Peres e Greiner, para que haja a obrigação de indenizar o abalo moral, são necessários pelo menos três requisitos: a prática de ato ilícito pela empregadora; a ofensa à honra ou à dignidade do trabalhador e o nexo de causalidade entre esses elementos.

“Todos esses elementos precisam ser devidamente comprovados para que haja a obrigação de indenizar”, esclarecem as advogadas do escritório Lilla, Huck, Otranto e Camargo Advogados.

Fonte: IG – Economia