Pesquisa mostra que a maioria das pessoas não sabe lidar com as horas ociosas. Saiba o que fazer para valorizar esses períodos

Ter tempo livre e não saber o que fazer com ele. Esse dilema pode parecer paradoxal numa sociedade tão acostumada a se queixar da falta de horas ociosas. Para muitas pessoas, no entanto, é isso o que acontece. Pesquisa de duas universidades americanas, a University of Cincinnati e a Baylor University, feita com 1.329 jovens concluiu que entrevistados com mais tempo livre se mostraram mais infelizes. A prática em consultório leva especialistas a lamentar que as pessoas não saibam como aproveitar os momentos sem a pressão do trabalho ou do estudo. Um deles, o psicanalista paulista Viktor Salis registrou esse fenômeno moderno no livro “As Orelhas do Rei Midas”. Segundo ele, essa é a causa de muitos casos de ansiedade e depressão que chegam ao seu consultório. O problema se agrava quando, mesmo com todo o tempo do mundo, os projetos pessoais não são tocados. “É comum os indivíduos gastarem suas horas livres com atividades secundárias, e isso gera muita frustração”, aponta o psicólogo paranaense Flávio Pereira. Nessas circunstâncias, o tempo ocioso, antes tão ansiado, vira fator de angústia.

O primeiro passo para aprender a usar o tempo livre é achar o equilíbrio entre estar muito ocupado e ter tempo de sobra. “Vivemos em uma sociedade em que o tempo é essencial e a percepção da falta dele está associada a níveis baixos de felicidade”, diz o relatório da pesquisa das universidades Cincinnati e Baylor. Os resultados do trabalho mostram que essas horas de sobra não são obrigatoriamente uma alavanca para o bem-estar. “Viver com quantidade equilibrada de tempo é o ideal.” Encontrar esse caminho não é nada fácil, e a cada dia surgem novos obstáculos. O professor de filosofia Eduardo Chaves, do Centro Universitário Salesiano, em São Paulo, diz que essa falta de habilidade em lidar com o tempo livre é muito comum. “Por isso, adolescentes em férias reclamam de tédio, apesar de antes terem contado os minutos até o fim das aulas”, exemplifica. O problema é mais grave quando acomete adultos, que elegem suas prioridades e não conseguem cumpri-las. Nesses casos, segundo Chaves, a solução se resume a uma palavra, vista por muitos como antipática: disciplina. “É preciso entender que disciplinar nossa rotina não é algo opressor, mas uma forma de exercer plenamente a liberdade”, afirma.

É o que falta à universitária carioca Ana Carolina Emellick, 20 anos. Até um mês atrás, ela tinha o dia completamente tomado e sonhava com o momento em que poderia se dedicar a seus interesses. Atualmente, mantém como único compromisso fixo a faculdade, apenas na parte da manhã, e não consegue tirar proveito das horas livres. “Num dia deixo de ir à academia porque fico mais do que deveria na internet, no outro não vou fazer compras porque dormi além da conta”, diz a jovem, que se confessa frustrada por não aproveitar o tempo como gostaria.

Férias e aposentadoria são dois gatilhos para a angústia que ataca quem não sabe mais viver fora da pressão. Como Roberto Guilheiro, 58 anos, que quase foi à loucura com a ociosidade depois de vender a loja de automóveis na qual trabalhou por 15 anos, na zona sul do Rio de Janeiro. “Tento ocupar meu tempo com entretenimento e lazer, mas fico achando que estou perdendo alguma coisa”, conta ele, que pensa em abrir um novo negócio para resolver a questão. Dona de um bufê, a chef Célia Pessoa é outra que não relaxa nas horas de folga. Nos fins de semana e feriados, mesmo quando não tem nenhum evento para organizar, não fica parada. “Nem lembro a última vez que passei muito tempo sentada, apenas refletindo”, diz ela. No último feriado, em vez de descansar, plantou mudas no jardim de sua varanda. Também é comum organizar reuniões em casa em que põe a mão na massa e cuida da comida. “Fui como convidada ao aniversário de um amigo e abandonei os conhecidos para me juntar ao pessoal da cozinha”, lembra. O professor Eduardo Chaves diz que é preciso dar valor ao ócio. “Até para voltar ao trabalho renovado, com mais energia.” O psicanalista Viktor Salis critica o fato de que o período de ócio tenha deixado de ser encarado como processo criador. “É nesse espaço que você constrói sua personalidade e reflete sobre o mundo”, ensina..

A tecnologia poderia ser um grande aliado na otimização dos dias livres, mas gera um efeito contrário. “Com os apelos dos tablets, smartphones e outros aparelhos, as pessoas tenderão nos próximos anos a ter ainda mais dificuldade para gastar seu tempo de maneira proveitosa”, acredita o psicólogo Flávio Pereira. Por via das dúvidas, ele próprio tomou suas providências para não cair na armadilha. “Tenho um novo smartphone cheio de recursos e já descartei vários aplicativos que poderiam me fazer perder tempo à toa.” Evitar ceder às tentações tecnológicas é uma providência fundamental para valorizar o próprio tempo.

Fonte: Isto É.