Steve Jobs, fundador da Apple, defendia que todo mundo deveria aprender a programar um computador, porque isso “ensina você a pensar”. Ele não era o único: criadores de grandes companhias como Facebook, Twitter, Microsoft e Google também levantam essa bandeira.

Essa tendência já chegou ao Brasil. Profissionais que não têm carreiras diretamente ligadas a tecnologia começaram a descobrir que decifrar códigos e linhas de programação pode ser útil.

É o caso do analista de compras Dhiego Spinillo, 28, formado em administração de empresas. Há três anos, ele decidiu fazer cursos sobre o tema por acreditar que esse conhecimento poderia ajudá-lo em reuniões com a equipe de tecnologia durante a implantação de projetos.

“Quando eu trabalhava em uma varejista de telefonia móvel, debati muitas vezes com o setor de TI, porque eles falavam que não era possível desenvolver algumas coisas, mas eu sabia que dava”, diz.

Há um ano em uma start-up (empresa iniciante de base tecnológica), ele continua aproveitando esse conhecimento nas reuniões.

“Fui um dos responsáveis por acompanhar toda a implantação do sistema de gestão de e-commerce da empresa”, conta.

Ele diz que, no futuro, esse conhecimento vai ajudá-lo a “colocar em prática alguma ideia genial”.

É a mesma realidade da gerente de projetos Luciana de Melo Guedes, 39, também formada em administração.

“Convivo muito com os programadores e fiz uma oficina para conhecer melhor o assunto”, afirma.

Ela diz que a programação também ajuda a resolver problemas práticos.
Guedes conta que, às vezes, precisa consultar listas enormes para conseguir informações. Criar um software que separa os dados dos quais ela realmente precisa pode facilitar essa consulta.

“Você pode fazer isso no Excel, mas com um programa fica muito mais fácil.”

João Carlos Lopes Fernandes, professor do curso de Análise de Desenvolvimento de Sistemas da Fatec São Caetano, diz que esse tipo de conhecimento pode melhorar o trabalho em áreas que não são intimamente ligadas à tecnologia.

“Um professor pode programar para criar jogos educativos e um advogado pode elaborar uma agenda que fique sincronizada com o tablet e o celular para organizar suas atividades”, diz.

ONDE COMEÇAR
Já dá para fazer projetos sabendo o básico, pontua Lopes. Alguns sites permitem que os interessados no assunto experimentem como é programar em linguagens como HTML, usada para a internet, e em plataformas voltadas a animação (veja ao lado).

Fernandes diz que dois aprendizados são essenciais: algoritmos, que, em computação, é a sequência de passos para resolver um problema ou executar uma tarefa e lógica de programação (método para comunicar instruções para um computador).

“Um programa é formado por linhas, como um texto. Se você aprende uma linguagem específica, sem saber algoritmos e lógica de programação, não terá noção do que vai acontecer ao final dos códigos”, afirma.

Para Fernando Meirelles, professor da FGV, é sempre válido fazer um curso para se reciclar. “Mas é preciso ter o perfil adequado e não fazer só porque está na moda.”

De acordo com ele, é importante saber resolver problemas matemáticos, ter boa capacidade de raciocínio e ser paciente, já que o trabalho envolve fazer testes para ver se os sistemas estão funcionando.

BE-A-BÁ
Ana de Oliveira Rodrigues, professora de programação de computadores e laboratório de negócios do Ibmec, defende que esse aprendizado deveria começar na infância.

“Hoje há muitos programas para ensinar crianças, como o Hopscotch. É uma forma de o cérebro aprender a pensar diferente”.

Para ela, os códigos estão por toda a parte, sem que as pessoas percebam. “Muita gente aprende a programar dentro do Excel. Quando você usa a função soma, isso é um tipo de programação.”

A grande vantagem que os profissionais podem ter ao fazer esse tipo de curso é poder atender demandas do trabalho de forma mais simples.

“Se tenho um problema para resolver, construo um aplicativo que faça isso por mim”, afirma Eduardo Casavella, professor da Intelectualle, instituição especializada em cursos de programação.

Ele diz que cada vez mais profissionais de outros setores se interessam pelo tema.

“Os alunos vêm aqui querendo criar projetos, lançar produtos. São pessoas que têm uma ideia e gostariam de transformá-la em um site ou em algo novo.”

Programar e promover eventos que ensinassem as pessoas a entrar nesse mundo se tornou uma das tarefas da jornalista Daniela Silva, 27.

Ela é uma das fundadoras da comunidade Transparência Hacker, que trabalha para deixar mais simples e claros os dados disponibilizados por governos na rede.

“Se antes eu só dava a ideia e via a coisa pronta, com esse aprendizado pude entender o processo de produção e contribuir para o desenvolvimento dos projetos”, diz.

Mas ela não via muitas outras mulheres com esses conhecimentos. Por isso decidiu criar um evento voltado ao público feminino interessado no assunto, a RodAda Hacker São Paulo, cuja primeira edição aconteceu em março deste ano.

Mais de 30 mulheres participaram do evento, que durou um dia. E a maioria, segundo a organizadora, não era ligada à área de TI. Entre elas a engenheira civil Haydee Svab, 31.

Para aprimorar o conhecimento, ela também se inscreveu em cursos on-line de programação para aprender linguagens como phyton, que, entre outras coisas, pode ajudar a criar recursos avançados de manipulação de textos, listas e outras estruturas de dados.

As experiências têm trazido um bom resultado. “As empresas valorizam esse conhecimento. No setor de construção civil é um diferencial, porque dá mais autonomia sobre as decisões.”

Ela conta que na sua área, as companhias geralmente pedem conhecimento de softwares específicos e o fato de saber programar pode mostrar que o profissional terá mais facilidade para aprendê-los, caso desconheça esses programas.

“Saber programar mostra que você tem habilidades para migrar mais rapidamente para outros programas com os quais nunca tenha tido contato.”

‘TILT’
Apesar de todo esse coro a favor da programação, especialistas em recursos humanos dizem que, hoje, esse aprendizado ainda não é valorizado pelo mercado.

“Não vejo como isso poderia ajudar o desempenho [do funcionário]. Se um profissional de marketing tiver interesse em tecnologia, é melhor que ele faça um curso de gestão de redes sociais”, opina Jairo Okret, sócio-diretor da consultoria Korn/Ferry.

De acordo com ele, alguém que não é da área de TI precisa apenas conhecer os tipos de tecnologia existentes e pedir para um profissional especializado desenvolver o projeto.

João Paulo Camargo, diretor da consultoria ASAP, partilha de opinião parecida.

“Não vejo como tendência. Difícil ver um profissional que não é de TI estudar e fazer isso, uma vez que ele pode contratar alguém para fazer.” Para ele, se o profissional quer fazer um curso para desenvolver o raciocínio, é melhor optar pelo Kumon (método japonês que forma alunos autodidatas).

De acordo com os especialistas, um profissional pode optar por um curso como esse para ter um plano B para a carreira. Algo interessante para o Brasil hoje, dada a falta de mão de obra no setor.

“O mercado está absorvendo gente com menos qualificação por necessidade. Muitas empresas acabam formando as pessoas”, diz Anderson Figueiredo, gerente de pesquisa da consultoria IDC.

Uma pesquisa feita neste ano pela empresa indica que, até 2015, o país terá 117 mil profissionais a menos do que o necessário no setor.

Por causa disso, formações acadêmicas em ciências da computação e sistemas de informação, por exemplo, estão sendo substituídas pela formação técnica oferecida pelas empresas.

Fonte: Folha.com