E isso pode atrapalhar na hora de contratar os melhores talentos, segundo Claudio Fernández-Aráoz, especialista em desenvolvimento de lideranças.

Claudio Fernández-Aráoz tem uma crença. Ele acha que o mundo poderia ser um lugar muito melhor se houvesse bons líderes nos lugares certos. É por isso que ele faz o que pode para desenvolver essas lideranças.

Segundo Aráoz, o primeiro passo para desenvolver talentos e futuros líderes é identificar pessoas competentes e com potencial. Ou seja, indivíduos que não só tenham habilidade para desempenhar uma tarefa específica, mas que consigam continuar aprendendo e mudando para assumir responsabilidades mais complexas no futuro.

Para escolher as pessoas certas é preciso, antes de mais nada, entender que a maneira como o ser humano toma decisões nem sempre é inteligente — pelo menos quando o objetivo é escolher o futuro funcionário. Nosso cérebro ainda tem “reações pré-históricas” e isso significa que escolhemos pessoas por afinidade. Só que no mundo corporativo é preciso ser mais objetivo. Na entrevista a seguir, Aráoz explica melhor essa ideia, fala sobre times vencedores e as barreiras para as mulheres nas empresas.

Além de ser um argentino que não tem medo de fazer piada com seu país, Aráoz é membro do conselho da Egon Zehnder, empresa de recrutamento de altos executivos, palestrante na escola de negócios de Harvard e pesquisador. Ele trabalhou mais de 30 anos como consultor e escreveu dois livros. O segundo deles (“Não é como nem o que, mas quem”) está sendo lançado agora no Brasil pela HSM Educação Executiva.

As pessoas são o principal recurso das empresas hoje?

Claro. Isso pode inclusive ser medido financeiramente. Nos anos 1980, o maior valor das empresas estava atrelado a ativos físicos. Atualmente, 80% do valor das empresas está em bens intangíveis, pessoas e ideias. Então sim, os recursos humanos são a fonte de valor mais importante para as companhias. Além disso, o principal fator controlável para a criação de valor dentro das organizações é a decisão dos líderes. Meus colegas em Harvard já fizeram todo tipo de análise e chegam a essa conclusão todas as vezes. Há um exemplo do Brasil: quando Roger Agnelli comandava a Vale, em uma década ele conseguiu criar US$ 157 bilhões em valor, mais do que o que Jack Welch alcançou no tempo em que esteve à frente da GE. Eu conversei muitas vezes com Agnelli e ele me disse que, de longe, a razão mais importante para seu sucesso foi a sua disciplina para avaliar candidatos internos e externos cada vez que precisava escolher um líder para uma posição sênior.

E isso acontece independentemente do setor em que a empresa atua ou do momento econômico?

Não importa o setor em que você está, o país, seu produto ou serviço, suas metas e sua estratégia. Eu comparo Jeff Bezos, da Amazon, e Agnelli, que estiveram entre os cinco melhores CEOs [segundo ranking divulgado pela Harvard Business Review em 2013]. Suas situações não poderiam ser mais diferentes. Amazon é uma empresa de tecnologia, a Vale é de mineração. Uma é americana, a outra brasileira. Uma nasceu como startup e a outra foi privatizada. Uma cresceu organicamente, a outra fez várias fusões e aquisições. Uma entrega produtos para consumidores, a outra para a indústria. É um exemplo que ilustra que não importa seu contexto, a disciplina para tomar boas decisões é a razão número 1 para o sucesso.

Mas os líderes sabem disso? Quer dizer, é mais fácil falar do que fazer, não?

Ah, não. Muitas empresas falam sobre isso, mas pouquíssimas colocam em prática. E exatamente aquelas que seguem essa diretriz costumam ganhar uma vantagem extraordinária. Um outro exemplo do Brasil é o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Eles atuavam no varejo, logística e no mercado de cervejas e agora estão partindo para conquistar o mundo. Eles têm a maior empresa de cerveja do mundo e estão fazendo as maiores aquisições no mercado de alimentação. Estão construindo um império desse jeito: recrutando pessoas excepcionais e pessoas com muito potencial — que é um ponto muito importante. Eles desenvolvem essas pessoas. Mas voltando à sua pergunta, os líderes e empresas que fazem isso de maneira sistemática ainda são minoria. E isso ajuda não só a criar valor para as empresas, mas a criar empregos.

No seu livro, você fala sobre um problema que temos com o nosso processo de tomada de decisão para contratar pessoas. O que acontece exatamente e como podemos evitar isso?

Infelizmente, temos um cérebro pré-histórico e um software vitoriano para tomar decisões. Cérebro pré-histórico porque ele não é muito diferente daquele de um homem que há 10 mil anos atrás estava perseguindo animais na savana. Quando esse homem estava em seu acampamento, se um estranho se aproximava, como ele decidia se iria acolhê-lo, se lutaria ou fugiria?

Como?

Primeiro ele veria se era alguém semelhante. Se fosse, provavelmente seria membro da mesma tribo e seria acolhido. Depois, ele veria se essa pessoa era alguém familiar. Se ele a conhecesse, provavelmente isso significaria que ela não o teria machucado em ocasiões anteriores. Por fim, ele perceberia o quão confortável se sentiria com esse semelhante. Esses três critérios — semelhança, familiaridade e conforto — foram muito úteis para nós nos últimos milênios. Do contrário, teríamos sido mortos por inimigos e não estaríamos conversando hoje. O problema é que esse tipo de critério não nos ajuda mais. Quando falamos em montar times eficientes, eles requerem habilidades complementares, variedade e diversidade. Semelhança e familiaridade são exatamente o oposto disso. Nesse mundo complexo, também precisamos de pessoas que nos desafiem constantemente e isso é o oposto de confortável. Além disso, o nosso software é obsoleto: a maioria das pessoas não estuda como fazer avaliações.

E como resolver isso?

É possível melhorar isso garantindo que a avaliação que será feita das pessoas será mais objetiva, com uma lista muito clara de atributos que precisam ser verificados.

Quais atributos?

Há dois tipos. Um deles tem a ver com competência, as habilidades necessárias para executar uma função. O outro tem a ver com potencial. Potencial é a habilidade da pessoa de continuar aprendendo, crescer e mudar. Ser capaz de estar em uma função muito mais complexa no futuro, sobre a qual pouco sabemos hoje, mas que com certeza será diferente e irá requerer mais de nós. Essa questão do potencial é particularmente importante no Brasil.

Por quê?

Há três razões. A primeira é que vivemos em um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo. Se o mundo é assim, se você escolhe uma pessoa que tem as competências, mas não potencial, ela rapidamente será incapaz de manter uma boa performance porque o trabalho terá mudado e as competências de que ele vai precisar serão diferentes das originais.

Mude ou morra, certo?

É isso. A segunda razão é que o talento é escasso. Se o talento é escasso, esse problema não pode ser resolvido com as empresas contratando funcionários umas das outras. É aquilo que eu falei: uma perde, a outra ganha. O único jeito de resolver isso coletivamente é as empresas se tornarem melhores em desenvolver pessoas. E o desenvolvimento começa com a escolha de pessoas com potencial, aquelas que serão capazes de ir mais longe e mais rápido. Se não há líderes suficientes, crie. Por fim, e isso é bem específico do Brasil, a idade dos CEOs do país é maior do que a média na comparação com outros mercados emergentes. Como eles são mais velhos, vão se aposentar mais cedo e será preciso substituí-los.

Bom, competências são mais fáceis de identificar. Como saber se uma pessoa tem potencial?

Dá para observar cinco características. Esse profissional precisa ter a motivação certa, que é uma mistura meio paradoxal de comprometimento com os desafios e humildade. Precisa ter também uma curiosidade insaciável, querer aprender sempre, inclusive buscando feedback. Pessoas com potencial costumam ter insights, são boas para fazer associações e criar novas possibilidades. Conseguem engajar os outros e são capazes de superar dificuldades, sem ceder à pressão.

Meio difícil perceber tudo isso em uma entrevista de emprego, não?

Sim. A maior parte das pessoas toma decisões olhando currículos e fazendo uma entrevista superficial. A típica entrevista acontece com dois mentirosos. O empregador diz que o candidato não vai encontrar uma empresa melhor para trabalhar. O candidato diz que quer muito trabalhar ali e se mostra melhor do que é. Então, antes de mais nada, você precisa fazer a entrevista certa. Se você quer checar como eu encaro feedback, me pergunte sobre uma situação recente, o que eu fazia, quais eram as circunstâncias, o que aconteceu, como eu reagi. Também é necessário pegar referências — porque as pessoas mentem nos currículos e nas entrevistas. E a não ser que o candidato tenha depressão, seu viés será otimista. Observações de terceiros são muito mais realistas do que a opinião da pessoa sobre ela mesma. Então, é necessário avaliar bem um candidato para que o empregador escolha o que melhor atende suas necessidades e saiba quais questões ele terá que trabalhar com essa pessoa depois de contratá-la.

Falando em feedback, muitas empresas falam sobre ferramentas para desenvolver pessoas, mas poucas funcionam. O que é realmente eficiente na hora de criar talentos?

A maioria dos processos de feedback é inútil ou contraprodutiva. Especialmente em países latinos, onde as pessoas não são boas para dar más notícias. Você começa elogiando, fala de um problema, termina elogiando para a pessoa esquecer a crítica e aí ela nunca melhora. Pesquisas mostram que o desenvolvimento de adultos é resultado de apenas 10% de treinamento formal, 20% de coaching e feedback e 70% de rotação de trabalho e tarefas específicas.

Ou seja, não é só ficar falando com as pessoas?

Claro. A GE é a maior fábrica de CEOs do mundo. Jantei com o Jack Welch em março e ele me disse que estava muito feliz por ter trabalhado com 40 CEOs de empresas que estavam na lista das 500 maiores empresas da Fortune. Por que a GE produz tantos executivos? Eles contratam pessoas com muito potencial e fazem com que mudem de posição por dois anos, para encarar diferentes desafios. A consultoria McKinsey é a maior fábrica se ajustarmos por tamanho, porque tem menos funcionários que a GE. E por quê? Porque os consultores são expostos constantemente a indústrias diferentes, setores diferentes, estratégias, planejamentos e problemas diferentes. As pessoas se desenvolvem sendo expostas a desafios.

É melhor contratar pessoas de fora ou promover funcionários?

Por definição, no nível mais baixo da pirâmide você precisa contratar pessoas de fora. Se você é uma grande empresa que está fazendo um bom trabalho na hora de contratar e de desenvolver pessoas, não seria um pouco estranho buscar no mercado profissionais para ocupar os níveis mais altos? Se isso acontece, significa que você não está fazendo alguma dessas coisas. Claro, se você vai entrar na China, talvez precise de bons gerentes locais. Às vezes, as empresas criam novas áreas, investem em novas tecnologias e também precisam de especialistas, mas isso é exceção. Além disso, promover pessoas tem várias vantagens. É um risco menor porque você já as conhece. O gasto é menor porque contratar alguém de fora geralmente requer um aumento de salário. E é mais motivador. Quem quer trabalhar para uma empresa que, sempre que há uma vaga no topo, contrata alguém de fora?

Você já trabalhou ao lado de líderes reconhecidos de grandes empresas. O que eles têm em comum?

Eles são muito ambiciosos. E eles têm essa disciplina religiosa para contratar os melhores e ajudá-los a prosperar. Jeff Bezos já falou publicamente que prefere entrevistar 50 pessoas e não contratar nenhuma do que diminuir a barra. Os melhores CEOs se cercam dos melhores.

Mais difícil do que contratar uma pessoa boa é criar um time vencedor. Como fazer isso?

O mais importante é contratar o chefe certo. As pessoas não pedem demissão das empresas, elas pedem demissão de chefes ruins. É o maior motivo de rotatividade e frustração. E há também algumas dimensões que fazem um bom time, como diversidade, alinhamento, resiliência, abertura para o diferente, eficiência e energia.

O fato de não haver muitas mulheres nos níveis mais altos das empresas é um problema?

Esse é um dos meus temas preferidos. Sempre que as pessoas me perguntam onde eu vejo a maior oportunidade para talentos, eu sempre respondo que não é um lugar, é um gênero. As mulheres são a maior oportunidade de talento no mundo todo, incluindo o Brasil. E no entanto, não estão ganhando espaço. Mas como mudar isso? Uma das maneiras é se concentrar de maneira mais objetiva nas competências e no potencial dos candidatos. Se você fizer isso, verá que, tipicamente, metade dos candidatos qualificados são mulheres.

E por que as mulheres não chegam a esses níveis?

Voltemos ao cérebro pré-histórico. Homens se sentem mais confortáveis com homens. E há uma crença errada de que o mais importante na hora de escolher pessoas é a experiência, não a competência. É o foco errado.

Você é a favor das cotas para mulheres?

Pessoalmente, eu acredito que quando partimos de uma situação em que há uma representação tão ridiculamente baixa de mulheres em níveis executivos, cotas podem ajudar. A Itália aprovou uma lei em 2012 que exigia que algumas empresas tivessem pelo menos 20% de mulheres em seus conselhos e, depois de um tempo, esse nível subiria para 30%. Você pode imaginar a reação dos italianos. Mas depois, eles se conformaram e pensaram: se teremos mulheres nos conselhos, precisamos garantir que elas serão boas. Eles começaram a avaliar as candidatas por competência. Atualmente, a maioria dos italianos concorda que seus conselhos estão muito mais fortes por causa da presença feminina.

Em tempos de crise, a primeira medida que muitas empresas tomam é demitir funcionários. Às vezes, é inevitável. Mas em que medida isso é ruim para elas?

O que eu aprendi por experiência e por pesquisas é que a maior parte das companhias, em tempos de crise, se assusta e fica andando no escuro achando que nunca mais verá a luz do sol. Cortam custos e demitem pessoas. Há um pequeno grupo que tenta aproveitar a recessão para acelerar e conquistar o mercado. Esses dois tipos saem enfraquecidos da crise. Mas há um terceiro grupo, uma minoria, que sai fortalecido. O que as empresas desse grupo fazem? Elas contratam pessoas. Elas se apertam um pouco mais, mas aproveitam a crise para contratar excelentes profissionais dos concorrentes. Essa é a grande oportunidade da crise. Assim como as mulheres são a maior oportunidade permanente quando o assunto é talento, a crise é a maior oportunidade recorrente. Há ótimos exemplos.

Você pode citar algum deles?

Na 2ª Guerra Mundial, os melhores engenheiros do mundo estavam nos laboratórios militares dos Estados Unidos, produzindo todo tipo de inovação tecnológica. Quando a guerra terminou, começou uma recessão. A maioria das empresas estava encolhendo, incluindo a Hewlett-Packard. Ao mesmo tempo, aqueles engenheiros ficaram sem função com o fim da guerra. A HP decidiu contratá-los. As pessoas perguntaram como é que a empresa poderia contratá-los em um momento de crise e a resposta foi: como seria possível a empresa deixar de contratá-los.

Por Marcela Bourroul / Fonte: Época Negócios