Não é nos diplomas, na conta bancária nem no status que está o verdadeiro sentido do sucesso, mas nas realizações.

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Na minha infância, tive a grande sorte de ter sofrido dois graves acidentes e ter saído vivo para contar a história. Fui atropelado aos seis e voei pelo para-brisa do carro aos oito.

Sorte? Como assim? Bom, além da dádiva da vida, fui presenteado com longos meses em casa, fora do sistema escolar. Talvez por isso eu tenha me tornado o doidinho que nunca se enquadrou às normas e rotinas do colégio.

Sem internet, computador nem canais de TV a cabo para ocupar o tempo, passava os dias na frente de livros, gibis e de uma preciosa – e barulhenta – máquina de escrever Remington 33l – o melhor presente que meus pais já me deram.

Foi nessa época, e utilizando essa máquina de escrever como principal instrumento de trabalho, que criei meu primeiro negócio: o Clube Misto Quente. Funcionava da seguinte forma: eu “anunciava” o clubinho nas seções de cartas das revistas da Disney e do Maurício de Sousa, tipo Tio Patinhas, Cebolinha, etc; crianças do Brasil inteiro me escreviam de volta querendo fazer parte do clube. A partir daí recebiam uma carteirinha de sócio e, mensalmente, o incrível Jornal Misto Quente, que eu escrevia na boa e velha máquina. Você aí do outro lado pode estar pensando: “putz, que coisa mais sem graça”. Mas se me perguntassem naqueles dias “Leandro, o que é felicidade?”, eu responderia sem pestanejar: felicidade é esperar o carteiro por volta das 4 horas da tarde e se dar conta de que, das 15 correspondências daquele dia, 14 são para você. Eu gostava tanto disso que só fui parar com essa história de clubinho lá pelos 12 anos, mas com grande pesar no coração.

A propósito, os pais e as próprias crianças tendem a supervalorizar a importância da escola, como se o caminho para o conhecimento passasse unicamente pelos bancos escolares. Esquecem que em seu quintal, em sua estante de livros e em uma folha de papel em branco existe um universo de possibilidades muito mais poderosas. Vou além: fora da escola a gente se dá conta de que “idade certa” para aprender determinado conteúdo é uma grande falácia. A curiosidade não respeita tarjas do tipo “para crianças a partir de 10 anos”.

Aliás, os livros que mais atraíam minha atenção eram justamente os que minha mãe colocava na última prateleira da estante, aqueles que ela julgava inadequados para a minha idade. Sabe de nada, inocente! Com uns nove anos, pensei que iria dar boas risadas com um pesado e poeirento livro que se chamava A Divina Comédia. Quando me dei conta de que era sobre a jornada de um poeta maluco pelo inferno, não consegui mais largar. Enquanto isso, minha professora da quarta série deveria estar nos obrigando a decorar a tabuada dos nove.

Bom, este não é um artigo de “abaixo a escola”, nem uma releitura de Pink Floyd (Hey, teachers, leave them kids alone!). Lógico que a escola é importante, mas as falhas do sistema escolar e a sua obsessão pela formatação e padronização são ameaças terríveis para que as nossas crianças descubram quem são de fato e para que desenvolvam os verdadeiros talentos que escondem por trás de seus sorrisos.

Já adulto, depois de ter me perdido várias vezes até encontrar meu caminho profissional (passei por simplesmente quatro cursos superiores antes de escolher Administração), acabei criando um site na internet. Estava no terceiro período de Administração, no ano 2000, logo após a quebradeira das empresas pontocom. Claro que fui motivo de chacota entre colegas e amigos. Como acabei pulando muito de curso em curso, nessa altura já tinha vários amigos da minha idade formados e trabalhando em suas profissões. Quando saíamos, entre advogados, médicos e engenheiros, eu era o cara que tinha um site na internet. Piada pronta. O que ninguém sabia era o prazer que eu sentia por fazer aquilo. Um dia eu me dei conta de que a minha antiga máquina de escrever tinha cedido lugar a um computador Pentium 100, que as cartas que eu recebia agora se chamavam e-mails e que o Clube Misto Quente agora se chamava Administradores.com. Percebi que já adulto estava fazendo exatamente o que fazia quando criança, e descobri que a principal medida de sucesso deve ser uma resposta à seguinte pergunta: quão feliz você se sente fazendo o que você faz?

Como é bom sentir aquela mesma felicidade.

Por Leandro Vieira * / Fonte: Administradores.com

* Leandro Vieira é Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Certificado em Empreendedorismo pela Harvard Business School. Tem MBA em Marketing, pelo Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM). Administrador de Empresas pela UFPB e bacharel em Direito pelo UNIPÊ. Foi professor da Escola de Administração da UFRGS. Fundador e CEO do Portal Administradores.com. Em 2011, recebeu o Prêmio Honra ao Mérito em Administração, categoria Jovem Administrador, outorgado pelo Conselho Federal de Administração.  Autor do livro Seu Futuro em Administração (2011), publicado pela Editora Campus/Elsevier.  É um dos organizadores do livro Gestão da Mudança: Explorando o Comportamento Organizacional, lançado pela Editora Atlas em 2010.