O conceito, reproduzido por William Boulding, reitor da escola de negócios da Universidade de Duke, faz parte do que ele enxerga como um novo perfil de líderes que está emergindo para mudar o mundo – de preferência, com participação do Brasil.

William Boulding, o reitor da Escola de Negócios da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos, é um homem que acredita piamente que os negócios são o motor do século 21. Cinco minutos após iniciar a conversa por telefone com Época NEGÓCIOS, ele já havia afirmado que “os desafios que enfrentamos coletivamente vão ajudar o mundo a ir de bom para melhor, e não de bom para pior”. Otimista assumido, ele acredita no poder de transformação que a junção certa de pessoas diferentes, de formações variadas, mas com um sentido comum de propósito e valores pode trazer. E, nunca é demais frisar, para o bem do mundo.

Ele cita como exemplo a companhia mais valiosa do mercado, a Apple, e sua ambição de criar produtos para “melhorar a vida” das pessoas. Seu CEO, Tim Cook, não por acaso, divide essas crenças – ele é o ex-aluno mais famoso da Escola de Negócios Fuqua e continua a mostrar seu apoio. A Apple está na lista das dez empresas que mais contratam alunos que passaram pelos cursos da escola. Outras companhias também estão de olho nesses candidatos, principalmente depois que a instituição apareceu na primeira posição do ranking da Bloomberg Businessweek para negócios educacionais em novembro do ano passado, batendo Wharton (da Universidade da Pensilvânia) e Booth (da Universidade de Chicago).

É para promover esse curso que Boulding visita o Brasil esta semana.* De fala pausada e ideias claras, ele espera ampliar o raio de ação da Fuqua no país para incorporar mais brasileiros à “nova raça de líderes” que está emergindo. A definição engloba profissionais talentosos e preocupados também em deixar uma marca positiva no planeta, seja ao colocar como meta uma produção mais sustentável ou desenvolver plataformas que interconectam inovação e saúde. “Se uma companhia quer os melhores talentos do mercado de trabalho, terá de reconhecer não apenas a importância de atingir resultados financeiros, mas o impacto de criar melhores oportunidades para os consumidores, para as comunidades em que vive, e que tudo isso será ainda mais importante no futuro”, diz.

A conversa, entretanto, começa por outro tema caro a Boulding, para quem é necessário repensar modelos de gestão e encontrar maneiras de recuperar a confiança nos empresários e, consequentemente, nas empresas – abaladas por crises financeiras e gestão ineficiente.

Há quatro décadas, os consumidores se sentiam seguros com grandes marcas e companhias porque elas haviam construído um nome e experiência no mercado. Muitas cometeram vários erros, mas seguiram em frente. Nos últimos 20 a 30 anos, porém, o processo de criação e popularização das empresas ficou mais rápido e passou a ter um alcance global. Então, o erro que aconteceu há muito tempo é praticamente esquecido. Essa postura do consumidor de deixar para lá incentiva o erro nas empresas? Como fica a questão da credibilidade?

O conceito de ativo de marca (brand equity) adquirido por algumas companhias certamente existe. Mas o mundo está se movendo muito mais rápido e há uma quantidade grande de interdependência nos negócios, já que algo que acontece do outro lado do mundo pode afetar meu modelo de negócio e consumidores. Estamos conectados inevitavelmente. As pessoas têm acesso a mais informações, novas tecnologias e, consequentemente, uma companhia não pode achar que sua reputação vai continuar intacta da mesma maneira que aconteceria há 20 anos. Se olharmos para os fatos, é possível perceber que a confiança em líderes de negócios tem erodido consideravelmente e isso muda a maneira com que as pessoas olham para as coisas. Eu acredito que os negócios podem ser o motor de transformação do século 21 e, quando digo isso, estou pensando que os negócios serão feitos para o bem do mundo. Os problemas mundiais, os desafios que enfrentamos coletivamente vão ajudar o mundo a ir de bom para melhor, e não de bom para pior.

Devemos, então, esperar que as companhias tenham essa preocupação, uma consciência de que fazer algo bom faz bem aos negócios?

Algumas das grandes companhias têm um propósito e ambição de melhorar vidas. Se você perguntar o que motiva as pessoas que trabalham na Apple, que é a companhia mais valiosa do mundo, certamente ouvirá entre as respostas usar produtos da Apple para melhorar a vida das pessoas. Se fizer o mesmo na Unilever, vai ver que eles estão preocupados em fazer com que tenhamos um futuro sustentável. São pessoas que se importam com as consequências de seus produtos no meio ambiente e no futuro que estamos criando. E eles se importam tanto com isso quanto com o lucro da empresa. Há pouco tempo ouvi algo muito interessante: é esse conceito transformado de forma bem simples, em três sentenças. De que “fazer melhor é bom”, “fazer o bem é melhor” e “fazer os dois é o que há de melhor”. E isso, na minha opinião, sintetiza a nova raça de líderes que estamos vendo emergir no mundo hoje. Essa liderança sabe que a pressão das companhias por resultados e por melhorar seu desempenho não vai desaparecer, mas ao mesmo tempo entende que precisa ser uma força para fazer o bem e deixar uma marca positiva para a sociedade. Se você olhar para a próxima geração que está chegando ao mercado de trabalho, verá que eles querem ser parte de algo que faça a diferença e possa mudar o mundo para melhor. Por isso quando penso nos negócios como motor de transformação, eu tenho uma visão positiva.

E as empresas percebem isso?

Se uma companhia quer os melhores talentos do mercado de trabalho, terá de reconhecer não apenas a importância de resultados financeiros, mas do impacto do que está fazendo em termos de criar melhores oportunidades para os consumidores, para as comunidades em que vive e que tudo isso será ainda mais importante no futuro. O fato de que as forças do mercado podem fazer a diferença ganhará um foco crescente nos negócios, então vejo uma mudança na perspectiva do público em geral, que irá de “não sei se confio nesta empresa” para “eu entendo que é através dos negócios que podemos fazer a diferença no mundo, então precisamos dos melhores talentos, das pessoas que realmente se importam”.

Mesmo em tempos de crise, há muitas oportunidades a serem aproveitadas. Como é possível perceber essas oportunidades e fazer algo positivo para a maioria das pessoas?

Pensando em lideranças que façam as coisas acontecerem, é preciso pensar nos atributos desse líder. A grande crítica hoje aos líderes em negócios é que eles são egoístas e só pensam em fazer dinheiro, muito mais para si mesmos do que para a empresa. Um desses atributos, portanto, é que o novo líder tenha propósito e ambição de fazer algo pelo bem dos outros. Outra coisa é que ele precisa entender como “destravar” o potencial humano que o cerca e entender que a chave para a inovação, para criar e implementar ideias para mudar o mundo para melhor é a colaboração efetiva. E a maneira de fazer isso não é ter uma pessoa dizendo a outras o que fazer, pois esse é o modelo antigo, nem se cercar de gente que pensa da mesma maneira, porque isso não é colaboração, é clonagem. O valor real da colaboração é se cercar de pessoas que são diferentes e construir pontes para compartilhar objetivos, de modo que possam dividir seus insights, ideias, experiências e cocriar soluções para os desafios que enfrentamos. Precisamos de líderes que sejam grandes colaboradores e entendam como reunir pessoas de vários perfis e perspectivas diferentes para pensar juntos. Esse é o futuro e, de novo, é um futuro positivo para o mundo.

Mas não é uma tarefa muito fácil, não é mesmo? Quer estejamos falando de estudantes ou profissionais, instigando essa concepção de tomar decisões de maneira consequente pode ser um processo longo, imagino.

Não é fácil, de fato. É por isso que sou tão assertivo sobre sermos uma escola de negócios que procura educar as pessoas para que possam enfrentar desafios e descobrir seu potencial para atingir grandes objetivos.

E como se faz isso?

Instintivamente, nós fazemos as coisas de modo que achamos certo. Você pode achar que sabe o que fazer, então agora é só dizer aos outros. É difícil combater esse instinto, principalmente quando se trata de alguém muito bem sucedido. A realidade é que se compararmos o que um único indivíduo é capaz de fazer e o que um grupo pode atingir, sabemos por estudos que o resultado do grupo é melhor. Temos de combater também um instinto muito arraigado no ser humano de se cercar de gente que pensa, age, sente e parece conosco. Fazemos isso porque é mais confortável e se consegue realizar mais tarefas em um dia. Só que assim você está se clonando. Não vai conseguir insights inovativos. Essa é a importância de se cercar de pessoas diferentes. E aí é preciso criar um ambiente no qual as pessoas não tenham medo de dizer o que pensam, trazendo sua experiência pessoal, suas crenças e ideias para o grupo.

Dizer o que se pensa nem sempre é fácil…

Muitas vezes, as pessoas têm medo de se mostrar como realmente são, de serem autênticas e repartir suas ideias – porque na maioria dos casos, elas não são encorajadas a fazer isso nas empresas. É preciso superar esse medo, juntamente com o de que pessoas diferentes são causa de aborrecimento. A verdade é que quando alguém faz as coisas de maneira diferente do que fazemos, nós achamos isso irritante. E nosso primeiro instinto é dizer: por que você não faz isso do meu jeito? Só que assim se desfaz o aspecto positivo de reunir pessoas diferentes. É, portanto, uma questão de educação, desenvolvimento e prática para superar essas reações naturais. E é por isso que, como escola de negócios, nós temos um papel tão importante em produzir esse tipo de líder que o mundo tanto precisa.

Dentro do padrão de liderança consequente (consequential leadership), que tipos de perguntas alguém deve se fazer para ser um bom líder? O que esse profissional deve buscar?

Talvez a primeira pergunta seja qual é a sua ambição e como você gostaria de mudar o mundo, qual é o seu propósito e como você pensa em fazer diferença. Minha opinião é de que as pessoas deveriam ter uma ambição enorme de fazer do mundo um lugar melhor para se viver. Para isso, é preciso humildade para perceber que não importa quão inteligente você seja, você não sabe de tudo. Ter humildade para aprender continuamente e se abrir às ideias e experiências dos outros. Isso leva ao segundo ponto: entender que você não fará tudo sozinho, mas se quer mesmo alcançar grandes objetivos vai precisar de um grupo de pessoas. E aí se questionar como reunir essas pessoas, como aprender com elas e, mais importante, como nós aprendemos uns com os outros para construir esse ambiente e dividir o reconhecimento de que juntos somos mais fortes, melhores, se formos diferentes. E voltamos à necessidade de dividir propósitos, destravar o poder que existe na diferença e chegar às soluções que buscamos.

Por Soraia Yoshida / Fonte: Época Negócios

* Originalmente publicado em 10/08/2015