De perder valor em 6 dígitos por dia à segunda maior empresa de brinquedos do mundo: saiba como a mentalidade do fundador da LEGO mudou o curso da empresa.

Quando empresas grandes e bem-sucedidas como a Lego se perdem e começam a declinar, elas o fazem de maneira praticamente imperceptível. A complexidade e o peso das burocracias borram as suas visões. A mentalidade dos seus fundadores (Founder’s Mentality) desbota gradualmente: eles perdem de vista o centro da sua proposta de valor, e as suas conexões com os clientes começam a se desgastar. Comumente, eles se distraem com sua expansão, esperando encontrar um novo crescimento fora de um negócio que amadureceu e diminuiu o ritmo. O declínio pode começar devagar e silencioso, mas sem ser detectado, logo se acelera e estoura em uma grande crise.

Em nossa experiência de uma década, essa queda espiral não precisa significar fim de jogo. Mas como nós demonstramos em nosso livro “Repeatability” (Repetibilidade), ela requer que a empresa encontre uma forma de recuperar o foco, a flexibilidade e a intensidade que foram tão centrais em seu sucesso. Resumidamente, é preciso reviver a Mentalidade do Fundador e se voltar para o core business.

Recentemente, nós vimos um lembrete de quão poderoso isso é, quando saiu a notícia que Grupo Lego da Dinamarca superou a Hasbro e se tornou segunda maior empresa de brinquedos do mundo, ficando atrás apenas da Mattel.

Há menos de uma década, a Lego estava em uma luta desesperada pela sobrevivência. Liderada por anos por Kirk Kristiansen, neto do fundador original, a companhia havia crescido em vendas de $100 milhões em 1978 para $1.3 bilhão em 1993. Mas pouco depois de Kristiansen renunciar o posto de CEO devido a problemas de saúde, ondas subsequentes de gestão perderam a confiança no potencial de receita futura dos icônicos tijolos de plástico da companhia. Eles expandiram em uma série de novos negócios, de parques temáticos e programas de televisão até roupas. O resultado foi desastroso: um deslize na margem de lucros, de 15% em 1993 para 28% negativos em 2004. Em 10 anos, a Lego perdeu valor em uma média de 300 mil euros por dia.

Entra Jorgen Vig Knudstorp, quem assumiu como CEO em 2004. Apesar de não ser um dos fundadores, ou da família dos fundadores, ele logo abraçou o princípio de fundação da empresa: a Lego estava em um negócio para criar brinquedos de construção inovadores em que as crianças poderiam aprender com eles.

O pensamento convencional era que o negócio de tijolos da Lego era pequeno e estava condenado, com altos custos para competir no crescente e cruel mercado global de brinquedos. Mas logo depois de ganhar exposição entre um grupo fanático de consumidores de Lego — ambos crianças e adultos —, Knudstorp reconheceu a paixão pela marca. Então ele convenceu o Conselho da empresa a cortar uma série de negócios adjacentes distrativos, para que a Lego pudesse embarcar em um esforço de cinco passos em sete anos para retornar ao seu cerne.

Reviver um negócio em meio a uma crise era uma decisão ousada. Para alcançar o sucesso, a Lego teve que reduzir sua complexidade e remendar sua cadeia de suprimentos — tudo isso enquanto construía uma inovação para diferenciar suas ofertas. Para reconciliar os laços entre consumidor e empresa, a Lego promoveu sistemas de aprendizado, como comunidades online e convenções, e começou a coletar Net Promoter Scores (NPS – uma métrica que avalia a satisfação dos clientes com a marca), em cada ponto de contato. Isso proporcionou uma base para a criação de flagship stores (lojas enormes e temáticas) e criou uma forte relação com os principais varejistas.

O aprendizado e o novo senso de urgência ajudaram a Lego a reduzir o tempo de desenvolvimento do seu produto em até 50%, e a empresa rapidamente percebeu que a inovação ao redor dos produtos em bloco e dos temas que eram parte de seu core ofereciam uma grande chance de renovação. A marca criou um mundo virtual da Lego e fortaleceu sua parceria com empresas como Walt Disney, para criar personagens e video games licenciados pela Lego. Sua última inovação — as Lendas de Chima, um grupo de personagens feitos de bloquinhos temáticos — está em grande crescimento. Assim como uma expansão bem-sucedida para a Asia, compensando o crescimento mais lento em mercados mais saturados como Europa, EUA e Japão.

Knudstorp é um devoto fervoroso da repetibilidade. Como o jornalista dinamarquês Niels Lunde escreveu em seu best-seller “Miraklet i Lego” (Milagre na Lego), Knudstorp gosta de citar um poema de T. S. Eliot que ele acredita que captura sua essência:

“Nós não devemos cessar nossa exploração

E o final de tudo que exploramos

Será chegar aonde começamos

E conhecer o lugar pela primeira vez”

Ele está convencido de que repetibilidade não é muito diferente dos desafios apresentados pelos tijolos de Lego:

“Assim como as crianças usam seus legos velhos de novas maneiras sempre que os colocam sobre a mesa, empresas precisam se abraçar ao core de sua proposta de valor repetindo-o, aprendendo com ele e constantemente o desafiando.”

“Nós não devemos temer a repetição”, Knudstorp escreveu em um antigo post para blog desenterrado por Lunde. “Não impensadas, infinitas repetições, mas repetições como em grandes variações de um belo tema e ideia. Todo o sucesso inicial dessa empresa se construiu a partir de repetições”.

Por Chris Zook, diretor da Bain & Company / Fonte: Endeavor.org.br