O presidente Michel Temer anunciou uma série de mudanças na legislação trabalhista, um pacote relativamente modesto apelidado pelo próprio governo de “minirreforma”.

A principal medida anunciada foi a possibilidade de que acordos entre empresas e sindicatos possam estabelecer algumas regras diferentes daquelas previstas em lei, o chamado “negociado sobre legislado”.

Essa flexibilização, no entanto, ficou restrita a 12 pontos e não vai atingir os direitos garantidos na Constituição, como décimo terceiro salário, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e seguro contra acidentes de trabalho.

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil se dividiram sobre quão positivas as medidas são para empresários e trabalhadores. Por outro lado, concordaram que as mudanças não devem ter impacto relevante na recuperação do mercado de trabalho.

Segundo eles, uma queda do desemprego depende da volta dos investimentos e do consumo, o que não deve ser influenciado pelas alterações na legislação trabalhista.

“O efeito vai ser menor do que parece, em ambos os sentidos. Não acho que vai criar emprego algum, e não acho que vai ser tão ruim para o trabalhador também. Como o próprio governo apelidou de minirreforma, são pequenas modificações que um governo fraco está tentado fazer para agradar o empresariado”, afirma o advogado trabalhista Sergio Batalha.

“Não é ainda, felizmente, a hecatombe que alguns temiam, a prevalência do negociado pelo legislado em termos gerais, como o patronato repetia. Essa liberdade de negociação está muito limitada (nas medidas anunciadas)”, acrescentou.

O economista José Pastore, professor da USP especialista em mercado de trabalho, também vê pouco impacto das medidas na geração de emprego. Ao contrário de Batalha, porém, considera bastante positivo que as negociações entre trabalhadores e empresas possam flexibilizar leis trabalhistas.

Segundo ele, a incerteza sobre a validade desses acordos, que muitas vezes são derrubados pela Justiça do Trabalho, gera insegurança jurídica e “medo de contratar”.

“Uma coisa que a história ensinou para nós é que nenhuma lei cria emprego. Se fosse possível criar emprego por lei não haveria desemprego. Agora, uma lei inteligente, que dá liberdade para as partes, que diz que aquilo que vai ser negociado hoje vai valer amanhã, ela reduz o medo de empregar”, afirmou.

“Ao reduzir o medo de empregar, vai contribuir marginalmente para redução do desemprego. Agora, o que gera emprego é investimento”, ressaltou.

Já Flávio Roberto Batista, professor de direito do trabalho na faculdade de direito da USP, é mais pessimista e vê risco das flexibilizações trabalhistas gerarem mais demissões.

Uma das mudanças anunciadas, por exemplo, é permitir por lei que as empresas possam negociar jornadas de 12h de trabalho, com 36 horas de descanso. Hoje alguns setores da economia já estabeleciam acordos nesse formato, que em geral têm sido aceitos pela Justiça do Trabalho, mas sem a chancela de uma lei.

“Se pode trabalhar 12 horas em vez de oito, a tendência é contratar menos empregados, não mais”, acredita o professor.

Medidas anunciadas

As medidas anunciadas foram editadas em projeto de lei e dependem de aprovação do Congresso para entrar em vigor.

Entre as novidades anunciadas está a possibilidade de reduzir, por meio de acordo entre sindicato e empresa, o intervalo mínimo de uma hora no trabalho que hoje é obrigatório para jornadas de mais de seis horas. A proposta é que agora esse intervalo possa ser reduzido para até meia hora, com compensação para o funcionário, que sairia mais cedo.

“Talvez a maior mudança seja esse ponto, porque acordos desse tipo a Justiça do Trabalho vinha invalidando. É um pouquinho mais ousado”, observa Batalha.

Outra proposta é permitir o parcelamento das férias em até três vezes, com pagamento proporcional ao tempo gozado – ao menos uma das frações não poderá ser inferior a duas semanas.

João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, segundo maior central de trabalhadores do país, elogiou as mudanças. Segundo ele, é positivo elas não terem atingido direitos garantidos na Constituição.

“São interessantes porque quando fala do negociado sobre o legislado deixa claro quais são os direitos sociais que poderão ser negociados, mas não o direito em si, e sim como você usufrui desse direito”, afirmou.

“Não é um projeto de retirada de direitos, não se toca nos direitos sociais contidos na Constituição”, disse ainda.

O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira (Solidariedade-SP), é aliado de Temer. A BBC Brasil tentou ouvir a CUT, maior central de trabalhadores do país e aliada ao PT, mas não conseguiu contato com seus dirigentes.

Também foi anunciada nesta quinta a prorrogação de uma programa criado no governo Dilma para tentar evitar demissões, que foi rebatizado de Programa Seguro-Emprego.

Ele continuará a permitir a redução em até 30% da jornada e do salário do trabalhador ao mesmo tempo que o governo compensa metade do valor da redução salarial. Essa compensação, porém, fica limitada a 65% do valor máximo da parcela do seguro-desemprego.

‘Paz social’

A coletiva em que as medidas foram anunciadas foi marcada por discursos pela “conciliação” entre trabalhadores e empresários.

“Não existe divisão de classe no Brasil, todos são brasileiros. E agora estamos unidos contra o pior de todos os problemas de nosso país, que é o desemprego”, disse o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira.

Já Temer afirmou que a minirreforma era um “belíssimo presente de Natal” para o governo.

“O símbolo dessa solenidade chama-se paz social. Por que não dizer que a partir deste Natal nós conseguiremos ouvir todos os brasileiros? Não tenho dúvida”, disse ainda o presidente.

Apesar das falas apaziguadoras, a tendência é de mais tensão pela frente, tendo em vista a forte resistência das centrais sindicais à reforma da Previdência, que Temer pretende aprovar no próximo ano.

A expectativa é que o presidente também busque mais à frente implementar uma reforma trabalhista mais ampla. Um dos tópicos controversos em discussão é a ampliação das possibilidades de terceirização do trabalho nas empresas.

O professor de direito do trabalho da USP, Flavio Batista, criticou o tom das declarações.

“Eu acho que esse tipo de declaração é muito conveniente para tentar empurrar a conta (da crise) para uma classe. Está tendo uma luta de classes franca e aberta, e ela é apresentada como um pacto de conciliação nacional com objetivo de manter quieta uma classe que é quem vai pagar todo o ônus (da crise)”, afirmou.

“Até agora não vimos nada que arranhe o lucro empresarial. Quando a Fiesp fala ‘não vamos pagar o pato’ (campanha dos empresários contra novos impostos), ela não está pagando mesmo. Quem está pagando é a classe trabalhadora. Esconder a luta de classes é a luta de classes”, disse ainda.

Presente na cerimônia de anúncio das medidas, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, lamentou que a flexibilização das leis trabalhistas não fosse mais ampla, mas ainda assim comemorou as mudanças propostas.

“Estamos fechando o ano com chave de ouro”, afirmou.

Fonte: Uol