Depois de meses (ou anos) de dedicação, criação de vínculos e muitas horas passadas um ao lado do outro vem a frase “acho que não está mais dando certo”. O sentimento, num primeiro momento, é de incredulidade, depois vem a raiva e, por último, a depressão. Perdemos noites de sono em busca do que fizemos errado. Esse cenário pode parecer com o do término de um relacionamento amoroso — mas é, também, muito semelhante com o de uma demissão. E, ao que tudo indica, perder o emprego é muito mais difícil do que perder o cônjuge.

É o que revelou uma pesquisa da Universidade de East Anglia e do What Works Center for Wellbeing (órgão independente criado pelo governo do Reino Unido). Para isso, os pesquisadores entrevistaram 4 000 pessoas e descobriram que, no caso de uma separação amorosa, os indicadores de saúde mental, autoestima e contentamento com a vida levam de dois a quatro anos para voltar ao normal. Mas, quando o assunto é a demissão, os índices continuam caindo mesmo depois desse período. “Dependendo do tempo que se passa em uma empresa a relação que se estabelece é semelhante ao casamento. Quando termina, a pessoa se sente traída”, diz Silvana Barros, consultora de carreira da Randstad, empresa de recrutamento de São Paulo.

Além do sentimento de traição, um processo de demissão suscita outra emoção que é muito difícil de lidar: a rejeição. O ser humano é social por natureza e quando se é excluído de determinado grupo, independentemente do tipo de relacionamento, acende o sinal vermelho da falta de adequação. “Há uma sensação de ‘o que há de errado comigo?’, em seguida vêm a culpa e a certeza de que se falhou ou se deixou a desejar”, diz Karen Vogel, psicóloga clínica e professora na The School of Life, de São Paulo. É difícil afastar esse pensamento até quando as justificativas da companhia parecem fazer sentido — num corte amplo de pessoas, por exemplo, por causa de algum problema externo. “Mesmo que não seja algo pessoal, você acaba se perguntando: ‘Por que eu, e não o cara do lado?’”, afirma Karen. Tudo isso é natural, mas, para seguir em frente, você precisa adotar algumas atitudes de superação.

Vida sem crachá
Em 2016, o executivo Andre Schamburg, de 41 anos, teve de enfrentar um furacão em sua carreira. Formado em tecnologia da informação, ele ocupava um cargo na diretoria da Cielo, empresa de pagamentos de São Paulo, desde 2014. Havia entrado na companhia recebendo quase o dobro do que ganhava em seu antigo emprego para desenvolver um projeto. A meta foi cumprida com sucesso. Mas, no fim do ano passado, veio o susto: a empresa iria desligá-lo. A explicação era um corte de custos. Como as festas de fim de ano estavam chegando, ele aproveitou as férias forçadas para viajar com a família e escapar da época inicial de frustração. Quando voltou, o baque do desemprego caiu como um tijolo. “Sempre busquei projetos desafiadores e era o ‘Andre sobrenome da empresa’. Ficar parado em casa foi muito difícil”, diz. Até os primeiros meses de 2017, o profissional ainda mantinha uma expectativa de que seria chamado de volta pela Cielo, mas esse pedido nunca veio. Cansado de esperar, resolveu montar uma fintech e hoje — superado o trauma — Andre até enxerga pontos positivos. “Talvez eu não tivesse conhecido meu sócio nem tido coragem de empreender.”

1. Aceite o luto
Luto é uma tristeza profunda pela perda de alguém. Embora a tendência seja associá-lo à morte, não é apenas nesse contexto que esse estado se instala. Todo mundo que passa por uma etapa de rompimento sofre com a ausência do que não está presente. O primeiro passo para atravessar esse cenário é compreendê-lo e analisar os sentimentos que estão surgindo, os quais, em geral, são de frustração, raiva e tristeza. “Prestar atenção nos sentimentos ajuda a compreender e a interferir nessas posturas. Quanto maior a abertura, maior o enfrentamento da situação”, diz Karen. O período para superar esse processo costuma variar de pessoa para pessoa, mas, no geral, todos nós enfrentamos cinco etapas (veja quadro). “Você pode abrir um espaço psicológico que compreenda esse tempo, mas varia bastante. Tem gente que vai se recolocar mais rápido, então poderá se recuperar antes. Porém, existem outros que, mesmo em um novo emprego, continuam enroscados na situação”, diz Karen. A medida é perceber de que maneira a demissão ainda afeta você. Seria como entender quanto encontrar um ex na rua geraria desequilíbrio emocional.

2. Assuma o momento
Algumas pessoas se isolam completamente ou chegam a mentir por vergonha de assumir o desemprego. Isso é um perigo que coloca em risco até sua recolocação. “Se você não revelar para sua família ou amigos, como vai enfrentar um processo seletivo?”, diz Rubens Prata, CEO da Stato, consultoria de recrutamento, de São Paulo. Afinal, o recrutador, durante a entrevista de emprego, certamente questionará seu histórico — e vai perguntar o que aconteceu em sua última passagem. “Hoje em dia ninguém é demitido, todo mundo tira um sabático. Demonstrar que você aceitou a situação e explicar as condições mostra que refletiu sobre o assunto e está vivendo o luto da melhor forma possível”, afirma Rubens. Pega mal só enumerar os defeitos do antigo empregador sem trazer para si mesmo a parcela de responsabilidade. “Às vezes, o sentimento é tão latente que a pessoa passa a entrevista inteira reclamando do ex-chefe. Isso é ruim porque o recrutador imagina que, se ela está falando mal do antigo líder, pode falar do headhunter também”, diz Silvana, da Randstad.

3. Ocupe seu tempo
Quando se está desempregado, surge uma falsa sensação de tempo livre. Você tem a chance, se quiser, de acordar tarde, mas a motivação para isso pode ser um pouco deprimente: sentir que não é preciso sair da cama porque não há nada para ser feito. Quando isso acontece, além de questionar seu desempenho, você passa a acreditar que está desperdiçando um tempo valioso e se transformando num completo inútil. “É preciso estabelecer uma nova rotina, senão a semana escorre pelo ralo”, diz Rosana Daniele Marques, gerente de recursos humanos da Crowe Horwath, consultoria de São Paulo. Isso pode ser feito com uma programação que tem como objetivo ajudar em sua recolocação com, por exemplo, a inserção de tarefas como cursos de atualização (que podem ser online), participação em palestras e momentos de net­working. Nessa nova rotina, há espaço também para inserir atividades prazerosas e que eram deixadas de lado quando você estava empregado, como a prática de um exercício físico ou a participação em um grupo de interesse. Além disso, é possível pensar em fazer algo que não demande crachá e que gere uma renda extra. “Você pode dar aula ou prestar consultoria, atividades que ajudam a ampliar as competências, conseguir um novo emprego no futuro e, até, ter alguma remuneração”, diz Rubens, da Stato.

4. Encare a ansiedade
Um dos grandes desafios de quem está sem emprego é lidar com a ansiedade. “Esse sentimento é uma expectativa exagerada em relação ao futuro, uma incerteza sobre algo que não é possível controlar”, diz André Franco, coach de alta performance, de São Paulo. A sensação certamente vai surgir durante o desemprego, pois você tem muitas preocupações com o futuro e não sabe, por exemplo, quanto tempo levará para uma proposta surgir ou qual será a resposta de determinado processo seletivo. Nesse ponto, é necessário tentar fazer o exercício de não concentrar esforços mentais em decisões que estão longe de suas mãos. “As pessoas não são ansiosas, elas estão ansiosas. Quando você está nesse quadro, acaba depositando energia em fatores de uma zona fora de seu controle — energia que poderia ser canalizada para atividades mais produtivas, como o desenvolvimento pessoal”, diz Rubens. Claro que nem sempre é simples assim, ainda mais em momentos de instabilidade emocional (e até financeira), como é o período após uma demissão. A estratégia para lidar com a ansiedade que certamente surgirá é tentar gerir as expectativas. No caso de uma entrevista, pergunte ao recrutador quanto tempo levará para ter uma resposta. “Se não houver feedback, entre em contato. Faça isso para administrar a quantidade de processos de que precisa participar”, diz Silvana, da Randstad.

5. Não tente voltar
É normal ter impulsos de retornar ao antigo empregador numa tentativa de recuperar o que foi perdido. O mais recomendável, no entanto, é perceber que, em alguns casos, a demissão foi importante para colocar um ponto final em algo que já não ia bem. Para que o processo ajude em seu desenvolvimento, reflita antes de aceitar a primeira proposta de emprego que surgir. “O impacto de um passo em falso é bem pior. Começar algo sem dar tudo de si mesmo aumenta o risco de não ter o resultado que você esperava”, diz Rosana, da Crowe Horwath. Se isso acontecer, outra demissão poderá surgir. E enfrentar mais uma rejeição num curto período de tempo poderá reforçar o quadro anterior, que já era crítico. O melhor é se recuperar do trauma antes de se envolver com uma nova oportunidade — seja ela eterna enquanto durar.

As fases do luto
Na década de 60, a psicóloga suíça Elisabeth Kübler-Ross estudou o processo do luto e percebeu que esse período passa por cinco etapas, que podem ocorrer de forma cronológica ou interdependente

Negação
Estado de choque, no qual o principal comportamento é não acreditar no que está acontecendo.

Raiva
Sensação de revolta total, em que a pessoa se volta contra a situação que precisa enfrentar.

Barganha
Por não aceitar o fato, há a tentativa de retornar ao estado anterior, buscando negociar.

Depressão
Momento em que se dá conta do que foi perdido. A tristeza substitui as tentativas de recuperação.

Aceitação
Quando, além de se dar conta do que perdeu, entende os motivos que levaram a isso e continua vivendo.

Fonte: EXAME.com