Aos 47 anos, Thomas Sommer chegou à conclusão de que era o momento de mudar a maneira de trabalhar. Depois de 20 anos em várias funções no banco Credit Suisse, ele se sentia exausto e sem rumo.

“Os valores da empresa não coincidiam mais com os meus. Meu coração me pedia mudanças, dizia que eu não estava conseguindo mais impacto com o meu trabalho, mas minha cabeça não queria escutar”, lembra.

Ainda assim, ele continuou no emprego por mais três anos, em jornadas de trabalho de 14 horas, que incluíam longas viagem diárias de trem da Alemanha, onde vive, até Zurique, na Suíça.

Até que, em 2012, justamente antes da mais importante reunião do ano, Sommer teve uma crise de pânico. Ficou nove meses de licença.

Desconfiança

Para o alemão, foi um caso de autossabotagem. “Repetia para mim mesmo que ninguém me daria um emprego quando chegasse aos 50 anos. Tinha uma família para sustentar”, diz Sommer, refletindo sobre o porquê de não ter feito as mudanças de que precisava.

“Mas meu corpo tomou a decisão por mim e me tirou de campo”.

O caso do alemão não é o único. Segundo especialistas, a autossabotagem pode afetar qualquer um de nós, como expressão básica da falta de autoconfiança e de interesse. Em 2014, uma pesquisa do Instituto Gallup nos EUA revelou que 51% dos trabalhadores não se sentiam comprometidos com seu trabalho e que 17,5% se viam “desvinculados”.

Autor do livro O Grande Salto, o americano Gay Hendricks explica que a autossabotagem nada mais é que uma reação à chegada a um limite pessoal, seja em termos der sucesso, de criatividade ou mesmo de harmonia em uma relação.

Hendricks identifica quatro temores por trás dessa reação negativa do subconsciente de dar um passo adiante: sentirmos que temos defeitos, preocuparmo-nos com a possibilidade de não sermos fiéis a nossas raízes, acreditarmos que mais sucesso trará uma maior responsabilidade, e termos medo de ofuscar os outros.

“Quando começamos a nos abrir para nossas habilidades únicas, nós também passamos a conhecer uma versão muito maior de nós mesmos. Quando o fazemos, topamos com o que chamamos de ‘problema do limite máximo’, porque isso desperta temores em nós mesmos”, explica Hendricks.

“Todos sabemos o que sente um perdedor, porque aprendemos andar e caímos muitas vezes. Mas muitos poucos conhecerão a sensação de êxito até que incorporemos isso sem nos autossabotar.”

Comprometimento 

Uma principais medidas a serem tomadas é reconhecer os sintomas da autossabotagem. Eles podem ser desde pensamentos negativos a ações como comer em demasia antes de uma reunião importante. Em vez de enviarmos sangue ao cérebro, enviamos ao estômago. Estamos nervosos, preocupados ou, de forma inconsciente, queremos demonstrar que não somos bons oradores.

Possivelmente, estamos nos sentindo inadequados ou incompetentes e uma apresentação medíocre é a prova de que precisávamos.

Mas a autossabotagem cruza fronteiras e pode facilmente sair do escritório para a casa. Algo como receber uma promoção e no mesmo dia começar uma briga com o (a) parceiro (a) – avanço em uma área e retrocesso na outra. Para Hendricks, o problema básico é alcançar o limite máximo das sensações positivas que podemos “gerenciar”.

“Ter a disposição de se sentir bem e fazer com que a vida vá bem todo o tempo é um ato genuinamente radical”.

A autossabotagem pode ocorrer também sob a forma de um comprometimento excessivo ou com o ato de impor obstáculos cada vez mais altos. É o que outro autor de livros de autoajuda, Erwin Oberender, descreve com uma situação em que “não se pode tirar o pé do acelerador”.

Ele menciona o caso de um executivo de um montadora que se queixava frequentemente de insatisfação com seu trabalho, embora tivesse obtido sucesso em muitos pontos de sua vida.

“A cada vez que estava para conseguir alguma coisa, aparecia outro objetivo no horizonte”, conta Oberender.

Seus métodos envolvem uma série de disciplinas, incluindo a repetição de frases como “É permitido ser imperfeito” ou “É permitido reter parte da minha energia e conservá-la para outras tarefas”.

Foi assim que o cliente de Oberender começou a reconhecer sua autossabotagem. “Ele encontrou os freios e decidiu, conscientemente, quais projetos deveria acelerar ou frear”.

Sintomas

Mas nem sempre criar obstáculos é autossabotagem. Se uma pessoa não se considera à altura de uma missão, isso pode ser também uma reação saudável baseada em uma autoavaliação precisa.

Para a psicóloga alemã Ilse Schmidt-Zimmermann, um ato de autossabotagem pode também ser um ato de sobrevivência que ajuda a evitar desafios para quem não está pronto.

Também pode ser o processo de criação de circunstâncias como o equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar ou a decisão de dedicar mais tempo ao trabalho voluntário, mesmo que isso comprometa uma promoção futura.

Preston Ni, autor do livro How to Let Go of Negative Thoughts and Emotions(Como deixar para trás pensamentos e emoções negativas, em tradução livre), define a autossabotagem como um conjunto de pensamentos negativos. E recomenda um ajuste de mentalidade por meio de um diálogo interno positivo.

“Trata de trocar o ‘não consigo’ por ‘aprenderei no caminho'”, explica Ni.

“Também o ‘não estou pronto’ por ‘ninguém se candidatando a este emprego tampouco está pronto, e assim vou fazer o melhor possível'”.

Outra ideia é transformar o objetivo em uma obra em progresso. “Um trabalho em marcha é sempre positivo se o movimento é na direção correta”.

De “vítima”, Sommer hoje auxilia pessoas a tomarem a direção correta. Ele presta consultoria e conta como ideias perfeccionistas e a incapacidade para admitir fraquezas o mantiveram em um trabalho que detestava.

Fonte: BBC Brasil