Esqueça a tradicional “receita de bolo”. Um novo livro quer desmistificar a crença de que a ideia é o ponto de partida de qualquer negócio. O “momento eureka” é algo significativamente mais raro do que imaginamos na vida de um empreendedor.

Há quinze anos viajando para estudar o empreendedorismo, o brasileiro Newton Campos, costuma comprar um jornal local em cada país que visita. Quando é o caso de desconhecer a língua, pede ajuda a alguém para traduzir e ler as notícias de economia e negócios. “Sempre me chama atenção o fato de que todos os países falam que são ‘O’ país do empreendedorismo do momento. Seja Israel, Turquia, ou no Brasil”, diz.

Para Campos, que ministra aulas sobre o assunto na espanhola IE Business School e na FGV-SP, a constatação se baseia em dois conceitos: o de que o empreendedorismo é global e o de que já é uma carreira tão desejada pelos pais quanto as tradicionais profissões de engenharia ou medicina. “Não é mais só uma questão de levar adiante os próprios sonhos ou fazer o seu destino. Mas, principalmente, uma possibilidade que os jovens têm de fazer projetos de alto nível com ferramentas relativamente simples”, afirma.

Os novos caminhos que se abrem, no entanto, continuam sendo pensados a partir de velhas estruturas. Ou melhor: com a fórmula tradicional criada para definir uma startup ou para indicar os “métodos certos” para empreender. “A receita de bolo para o sucesso não existe na hora de empreender”, afirma Campos.

O que muitos consideram como essa tal receita é seguir um conhecido processo: um potencial empreendedor tem uma ideia, pensa em como executá-la e procura recursos e investidores. Nesse caminho, a ideia é o centro do negócio, a base sobre a qual ele irá ser criado e pensado.

É buscando inverter esse pensamento que Campos está lançando, em vinte cidades, o livro The Myth of The Ideia – and the Upsidedown Startup [sem tradução em português]. Segundo ele, se essa crença já foi desmistificada no mundo acadêmico, na prática ela ainda resiste firmemente. “Não existe a ideia perfeita”, diz. “As pessoas tendem a se amarrar muito nessa questão quando justificam por que querem empreender ou deixaram de empreender: ‘olha, eu tive a ideia, essa é a ideia do século’ ou ‘poxa, estou há anos tentando achar uma ideia boa’ “.

No livro, Campos quer mostrar – por meio de pesquisas, levantamentos e entrevistas que fez ao longo de sua vida acadêmica – que o “momento eureka” é algo significativamente mais raro do que imaginamos na vida de um empreendedor. “A ideia é só uma parte, um ingrediente, uma consequência de uma execução de sucesso”.

O grande ponto do empreendedorismo, para ele, está na capacidade de execução e mobilização de recursos de forma inovadora.  Na prática, isso significa buscar uma ideia de negócio a partir dos ativos que o potencial empreendedor possui: seus conhecimentos, habilidades, rede de contatos, meio social ou acesso a determinados recursos. A inovação, defende, surgirá do que será possível executar com esses ativos. “95% dos empreendedores com quem conversei não criaram negócios a partir de um grande insight ou como consequência direta de seus estudos formais”, afirma. O raciocínio de Campos acaba, por tabela, buscando desmistificar alguns dos conceitos amplamente difundidos no empreendedorismo ou arraigados em certas culturas, como o ambiente de negócios no Brasil. Abaixo, confira alguns deles:

5 mitos na hora de empreender

“Inovar só traz obstáculos”: No livro, Campos reflete sobre dois conceitos utilizados para falar de inovação: o “liability of newness” [a responsabilidade trazida pelo que é novo] versus o “advantage of newness” [algo como tirar vantagem do novo]. O primeiro significa que, sempre que você for inovar, inevitavelmente irá encontrar barreiras. Irão questioná-lo só pelo fato de você trabalhar em algo novo. Este é um conceito incrustrado em diversas empresas. Um empreendedor, para ele, deve seguir o segundo conceito, ou seja, olhar a novidade não como um obstáculo que você vai ter que superar para mostrar que é bom. É preciso usá-la como vantagem, aproveitar o novo. “Antes, a inovação era só vista como problema. Hoje, ela precisa ser vista como um ativo, algo para ser testado e ver se é factível”, diz.

“Preciso da ideia, depois eu executo”: Um dos grandes exemplos que utiliza para exemplificar “o mito da ideia” vem de sua própria família. Campos é filho de um empreendedor que abriu oito empresas, em diferentes países e áreas. Só um único negócio, no entanto, deu certo. E foi justamente o que estava inserido na área em que o pai possuía mais conhecimento, recursos e havia montado uma rede de contatos. Tratava-se de uma empresa de softwares com foco no mercado editorial, onde o pai pode aproveitar a expertise adquirida ao trabalhar no setor e na primeira fábrica de computadores do Brasil, na década de 1980.

“Preciso aproveitar essa oportunidade”: Entre os muitos negócios que faliram, Campos viu seu pai também tentar abrir uma creche na Espanha. “Na época em que morou lá, ele viu uma oportunidade de licença e disse que não poderia perder. Foi lá, abriu, mas não percebeu que ninguém corre atrás de recursos de uma hora para a outra. Ele não conseguia identificar quem era um bom cuidador de criança. Essas coisas não funcionam com instinto – ainda mais em uma área que não é a sua. Era um negócio que deu errado não porque ele tentou inovar, mas porque não tinha nada a ver com os recursos, história de vida dele e seu conhecimento”.

“Não é possível empreender em uma grande empresa”: Campos apresenta dois motivos para a afirmação ser um mito. O primeiro é que o empreendedor não é somente aquele profissional que abre um negócio próprio, mas aquele que busca alterar os rumos de uma empresa que já existe – seja emplacando inovações, novas soluções ou ajudando a melhorar a gestão. Além disso, as empresas hoje estão cada vez mais buscando implementar internamente o espírito empreendedor, de estar sempre em busca da inovação. “Hoje, as companhias têm mais tendência a perdoar um erro. Inovação pressupõe poder errar”, diz. Para ele, é até mais fácil empreender dentro de uma cultura corporativa do que por contra própria. “Na grande maioria dos casos, em uma grande empresa, você consegue mobilizar recursos de uma forma muito mais fácil do que se estiver sozinho no campo de batalha. É até mais cômodo porque você tem um salário fixo”.

“A criatividade é essencial para empreender”: Campos defende que a criatividade ganha importância quando aparece na hora de utilizar bem os recursos para desenvolver soluções inovadoras. “O que eu quero dizer é que geralmente as pessoas pensam naquela criatividade aleatória: “tenho um problema e preciso resolvê-lo. Como vou fazer?”. Mas, para ele, não adianta ser criativo na solução se os recursos para aplicá-la são escassos. A criatividade é parte do processo e pode ser um instrumento útil, assim como a ideia.

* O livro foi lançado pela Amazon. A previsão é que a versão em português chegue ao mercado brasileiro até o segundo semestre de 2016.

Fonte: Época Negócios