Em meio às reviravoltas na política e às dúvidas quanto ao futuro do país, uma constatação é segura: nunca a Justiça investigou e prendeu tantos poderosos em tão pouco tempo no Brasil.

O assunto não se restringe ao governo. Com a lupa apontada para corporações de grande porte, operações da Polícia Federal como a Lava Jato e a Zelotes sugerem que a prática da corrupção no mundo empresarial tem sido cada vez menos tolerada no país.

Diante dos escândalos e das constantes mudanças no ambiente regulatório, cada vez mais restritivo, o mercado de trabalho na área de compliance tem tudo para ser um dos mais promissores do Brasil nos próximos anos. É o que dizem seis consultorias de recrutamento ouvidas por EXAME.com.

O papel do profissional da área é garantir que a empresa cumpra acordos, leis e regulamentos vigentes para a sua indústria. Também estão entre as suas responsabilidades implementar políticas para reduzir fraudes, oferecer treinamento sobre as regras e, de forma geral, prevenir conflitos de interesse entre a empresa e a sociedade.

O movimento que deu fôlego à área de compliance já tem quase 40 anos de história. Em 1977, o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) representou um passo importante para reprimir a corrupção nos Estados Unidos, e inspirou diversas outras legislações mundo afora. No Brasil, uma das atualizações mais recentes nessa direção é a Lei Anticorrupção, regulamentada em 2015.

Segundo Natasha Patel, diretora da multinacional de recrutamento Hays, o número de contratações em compliance aumentou sobretudo nos últimos três anos no Brasil.

A alta na demanda se traduz em valorização salarial. Veja abaixo a remuneração para três cargos em compliance segundo um estudo divulgado pela Hays, que se restringe a São Paulo (SP) e não inclui dados sobre empresas de pequeno porte:

Exame.com
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De acordo com Patel, os profissionais mais buscados têm de 5 a 10 anos de carreira, e acumulam passagens por grandes consultorias ou por empresas dos segmentos de finanças, serviços e indústria.

Ainda assim, o mercado é receptivo a pessoas com diversas formações acadêmicas e histórias profissionais.

Aos 34 anos, Ana Carracedo é responsável pelo departamento de compliance, riscos e governança da Votorantim — e chefia uma equipe tão jovem quanto ela. Formada em economia e marketing, com pós-graduação em gestão estratégica, ela diz que a área não exige nenhuma formação universitária específica.

“É comum encontrar advogados, economistas e administradores, mas também há pessoas com diplomas muito diferentes, como sociólogos”, explica a executiva, que também é VP do comitê de compliance da AMCHAM.

Habilidades técnicas
A área é fortemente multidisciplinar. É preciso entender simultaneamente de finanças, legislação, meio ambiente, contabilidade e comunicação. Daí a diversidade de formações acadêmicas que se encontra no mercado: as várias habilidades exigidas pela profissão não são oferecidas por uma única faculdade.

Para começar, é preciso dominar a legislação e o arcabouço regulatório específico do setor da sua empresa. Também é importante conhecer a fundo os públicos estratégicos com os quais a organização interage, inclusive órgãos reguladores — tudo sem perder de vista os interesses da sociedade como um todo.

Mesmo que você nunca tenha trabalhado em compliance, conta pontos ter experiência com implementação de processos internos, além da capacidade de interpretar leis e registros contábeis.

Embora haja uma oferta crescente de cursos de pós-graduação na área em instituições de renome, a gerente geral de compliance da Votorantim incentiva o autodidatismo — do qual ela própria também é adepta.

Segundo Carracedo, há muito conhecimento de qualidade sobre compliance disponível gratuitamente na internet. Uma de suas indicações é a biblioteca online da NACD (National Association of Corporate Directors), que oferece diversos guias, estudos e relatórios para quem quer aprender sobre a área.

Habilidades comportamentais
Para testar o seu interesse por compliance, experimente ler com atenção um documento emitido por uma agência reguladora. Se a tarefa aguçar o seu interesse, sinal verde. “Para se dar bem, você precisa ser detalhista, gostar de estudar e ter uma curiosidade profunda sobre as coisas”, diz Carracedo.

De acordo com a gerente da Votorantim, a função exige senioridade, o que não necessariamente corresponde a tempo de profissão. A qualidade a que ela se refere é a competência para “ler ambientes” com um olhar crítico e analítico. Trata-se também da capacidade de ser enérgico e impor respeito quando necessário.

Para Natasha Patel, diretora da consultoria Hays, uma das principais características do profissional de compliance deve ser a disciplina. “Sua postura precisa ser independente, severa, íntegra”, explica ela. “Você não pode se deixar influenciar pelos outros e nem se desviar das suas funções”.

Além disso, é importante ter talento para a investigação e até mesmo o que Patel chama de “instinto”. Isso porque, em alguns casos, você precisará de muita sensibilidade para perceber inconsistências e até detectar mentiras no discurso de um executivo, por exemplo.

Segundo a diretora da Hays, ser didático e persuasivo é essencial, já que o profissional apresenta muitos treinamentos internos e precisa convencer os outros funcionários a aderirem a diversas políticas e regulamentos.

Também por esse motivo, outra competência fundamental para o trabalho é a resiliência. “Você se depara com muitos erros e encontra muita resistência na implantação de projetos”, explica Ana Carracedo, da Votorantim. “Para alguns gestores, o seu trabalho parece ser um monitoramento excessivo e você precisa ter calma e persistência para mudar essa percepção”.

E depois da Lava Jato?
É inegável que a investigação e prisão de poderosos em diversas operações conduzidas pela Polícia Federal deram fôlego ao mercado de compliance no Brasil. Mesmo assim, opina Carracedo, a tendência já vem de alguns anos e tem tudo para manter o vigor daqui para a frente.

“Esforços como os da Lava Jato aceleraram o desenvolvimento da área, mas ela deve continuar forte mesmo quando as empresas e os governos melhorem o seu nível de adequação às regras”, diz a gerente da Votorantim. “Ainda há muito a ser explorado e difundido nesse campo”.

A economista também acredita que a cobrança vai aumentando proporcionalmente à evolução de cada sociedade —  o que explica por que não desaparece mesmo em países com baixos níveis de corrupção.

Em mercados mais maduros, diz ela, o profissional de compliance deixa de ser responsável por “apagar incêndios” e ganha uma função mais preventiva e estratégica nas organizações.

Natasha Patel, da Hays, concorda com essa visão. Para ela, a empregabilidade no setor aumentou graças à visibilidade de operações como a Lava Jato, mas o crescimento da carreira no Brasil já se tornou irreversível.

“As empresas estão percebendo o tamanho das multas e dos desgastes se elas não respeitarem as regras”, explica ela. “Não é por acaso que o número de contratações em compliance tem aumentado tanto no Brasil, e em todos os níveis hierárquicos”.

Fonte: Exame.com